sábado, 21 de fevereiro de 2009

O Egoísmo da Espécie





















Os amantes querem pertencer um ao outro, e para toda a eternidade. Exprimem-se de maneira assaz curiosa quando se abraçam num instante de profunda intimidade para gozarem assim do máximo prazer e da mais alta felicidade que o amor lhes pode dar. Mas o prazer é egoísta. Não há dúvida que do prazer dos amantes não se pode dizer que seja egoísta, porque é recíproco; mas o prazer que ambos sentem na união é absolutamente egoísta, se for verdade que nesse abraço já se confundem num só e mesmo ser. Mas estão enganados; porque, no mesmo instante, a espécie triunfa sobre os indivíduos; domina-os, rebaixa-os, ao seu serviço.
Julgo isto muito mais ridículo do que a situação considerada cómica por Aristófanes. Porque o cómico desta bipartição reside em ser contraditória, o que Aristófanes não salientou suficientemente. Quem vê um homem, crê ver um ser inteiro e independente, um indivíduo, o que toda a gente admite até que observe que, apoderado pelo amor, ele não passa de uma metade que corre à procura da outra metade.
Nada há que seja cómico na metade de uma maçã; cómico seria tomar por maçã inteira a metade de uma maçã; não há contradição no primeiro caso, há apenas no segundo. Se tomarmos a sério o dito de que a mulher é a metade do ser humano, a mulher não nos parecerá cómica na estranha situação do amor. O homem, pelo contrário, que goza de consideração social porque é um ser completo, torna-se cómico quando de repente se deita a correr em busca da mulher e prova assim que não deixara de ser apenas metade do ser humano. Quanto mais reflectimos tanto mais nos parecerá divertida a situação; porque se o homem é realmente um todo, na situação de amante deixa de o ser, ou então forma com a mulher muito mais do que uma unidade. Não estranhemos pois que os deuses se divirtam, e que principalmente se divirtam à custa do homem. Quando os amantes, como dois pombinhos, voam pelos céus em núpcias deliciosas, podemos acreditar que eles querem unir-se, ser uma só unidade, já que dizem querer viver um para o outro pelos tempos sem fim. Mas - é curioso -, em lugar de viverem um para o outro, vivem, sem que disso suspeitem, apenas para a espécie.


Soren Kierkegaard, in 'O Banquete' (Discurso do Mancebo, sem experiência no amor)






(wham wham,
que delicia de texto.
Impossível não o publicar depois ler.)




"O motor principal e fundamental no homem, bem como nos animais, é o egoísmo, ou seja, o impulso à existência e ao bem-estar".
Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Insultar'

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Eléments pour une étude /4



























"Esses olhos de peso caídos,
perpetuam a avidez de fitar
tudo o que se demonstra indefinido.
Por vezes,
alcançam a profundeza de um ser,
impedindo toda e qualquer possibilidade de um desviar de olhar".



São esses mesmos os olhos que procuram rituais,
tantas mais cerimonias,
tantas mais historias,
de todas as que foram escritas,
de todas as que acreditas,
Serem habituais.


Amparo o que de ti me mostram
esses olhos de pérola marfim.
Um júbilo gracioso?
Um voo pecaminoso?
Ou um terno querubim?

Tantos são os voos,
que se quebro uma asa
e caio no redopio da incógnita,
no turbilhão do desconhecido,
procuro num ósculo por um abrigo,
onde assim te possa julgar.



quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

...
























A razão...

É ela que me fustiga o contentamento,
e me deixa sem definição.
Para o que sinto,
para o que escrevo,
para o que pinto,
para o que não me atrevo...
A fazer.

De corpo contrafeito me sinto fausto,
eterno conhecedor do perfeito silencio.
Eterno violador do desejo que passa a sua língua em mim,
sedenta de sublevação carnal por tons de branco e carmim...

Enquanto isso fico neutro...
Sem ar de nada dar conta,
sem tom, ou fome, ou sede , ou ser.
Pois no fundo simplesmente não me atrevo a prestar contas,
ao que sinto que quero fazer.
Fazer...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Insónia
















Quantas vezes já nos deitamos nós no mesmo chão?
Quantas vezes a imagem ganha cor,
corpo, magia e fome,
á medida que a noite se consome e a ausência de sono se clarifica?
Fica a palavra a ressoar,
entre galáxias de confissões,
risos e liturgias.
É demencial...
Gostava...
Gostava sei la do quê...

Faz enlouquecer sentir a dor aflorar.
Sentir que nos estão a roer,
sem saber o que disso pensar.

Não saber que medidas simplesmente explorar,
com a imagem que se faz ver.

Se fosse Deus tirava a cisma ao homem.
Absolvia me de questionar.

Pensar deixa nos fracos, sem vigor...

Só não quero ter novas mentiras com que brincar,
novas miragens onde me esquecer...

Por isso pensa em algo bom,
impede me de imaginar,
impede me de esquecer,
que se faz tarde querer e saber amar,
neste calabouço em que me quis prender.


"Hoje eu nem dormi a tentar entender
entre o que eu sinto e o que eu te digo
o que é feito de nós
e o que vai ser".

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Acto de encontrar, confluência...

















Pergunto me quem és tu...

Pétala branca em caminhada lenta?
Nos nós do próprio tempo,
pergunto me quem te perdeu.
Porque voaste tu desnutrida de cor,
para os umbrais de tanta tristeza?

Tudo o que não vês é porque ainda não viste.
Esquece as passadas magoas,
e sente os reflexos da luz por entre o vidro tingido.
Sê as bolhas de uma bebida com gás que rebentam ao ouvido.
Sê as nuvens repondo o azul do céu esquecido,
sê a carne que cose o espaço aberto em volta do teu coração,
sê a taquicardia que abraça um momento de enorme satisfação.
E traz me ondas em que eu me embale...
Para ti, escreverei sempre uma consoante.
Para que não se crie um único instante,
em que paralises o teu coração.










(Conversas que não me conseguem deixar indiferente ao mundo, ou a pessoas em particular, que fazem nascer dentro de mim a vontade de questionar e adaptar o que sinto e penso ao que escrevo ...)